Por: Marco Aurélio Bissoli
O guitarrista e o baterista originais da Legião Urbana, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, aterrissam em Lavras neste sábado (23) para o show da turnê As V Estações no Espaço Camua (ingressos podem ser adquiridos aqui).
Promovido pela 035 Produções, o show, calcado no repertório dos álbuns As Quatro Estações (1989) e V (1991), traz a dupla ao lado da banda formada por André Frateschi (vocal), Lucas Vasconcellos (guitarra), Pedro Augusto (teclados) e Mauro Berman (baixo) – diretor musical do espetáculo.
O grupo está junto desde 2015, quando houve o primeiro encontro em celebração aos 30 anos do álbum de estreia dos músicos com a banda Legião Urbana (o disco Legião Urbana, de 1985).
Dado Villa-Lobos conversou com exclusividade com o Curta Lavras sobre a nova turnê, falou sobre a Legião Urbana, Renato Russo e o reencontro com canções que continuam universais e que foram incorporadas ao imaginário coletivo dos brasileiros.
Foi uma emoção e um marco na carreira deste repórter que vos escreve entrevistar Dado Villa-Lobos, pois acompanho o trabalho da banda desde o seu início, tendo assistido a um show da Legião Urbana quando tinha 16 anos de idade (confere aqui). O resto é história.
Turnê As V Estações rodou o Brasil e chega a Lavras
Qual a sensação de estar na estrada com este projeto há mais de oito anos e voltar a tocar essas canções tão emblemáticas dos álbuns As Quatro Estações e V?
É um grande reencontro meu com o [Marcelo] Bonfá e com o nosso repertório. É incrível para nós estarmos envolvidos de novo com a força que essas canções têm. Foram momentos memoráveis e incríveis vividos neste encontro com o público, que tem se mostrado atento, carinhoso e empolgante. Há uma entrega nossa e do público.
A Legião Urbana nunca gostou de fazer shows e o próprio Renato Russo tinha certa fobia quando o assunto era as turnês da banda. A maturidade ajudou vocês a melhorarem a relação com o palco e o público?
Não erámos uma banda de fazer muitas excursões. Nunca vivemos intensamente a estrada no Brasil. A maturidade faz com a gente saía de casa mais tranquilo e que subamos no palco sabendo mais ou menos o que vai acontecer. Nós e o público compreendemos o que são essas canções e tocá-las ao vivo foi uma grande descoberta. O Renato [Russo] se exauria muito nessas viagens e tinha o problema dele com o álcool e as drogas. Eu sou diabético, canceriano, eu gosto mesmo é de ficar em casa. Mas essas celebrações servem para a gente encontrar os amigos e isso tem sido maravilhoso. Hoje podemos tocar por duas horas no palco com mais maturidade e serenidade. Eu aprendi muito com isso.
Capa do álbum As Quatro Estações (1989): canções ecumênicas e lirismo pop
Essa turnê é baseada em dois grandes álbuns da Legião Urbana, que representam uma guinada na carreira de vocês. São dois mundos distintos. De um lado, o misticismo ecumênico, solar e pop de As Quatro Estações, e de outro, o épico, arrastado e tenso universo do V. Como foi esse processo de escolha do repertório inspirado no pentagrama?
O disco V, como bem escreveu o crítico Tarik de Souza, é carregado por “nuvens de melancolia”. Basta ouvir canções como A Montanha Mágica, Metal Contra as Nuvens e L’Âge D’Or. O disco é uma continuidade de As Quatro Estações, esse sim um álbum que representa uma guinada na nossa carreira. Ele é um disco ecumênico, que cita Jesus, Buda e o Tao Te Ching. Vimos que nele o pentagrama se encaixa. O pentagrama é um símbolo que acompanha a humanidade há mais de dois mil anos. Ele foi pensado pelo nosso produtor musical, o Mauro Berman, que dividiu o show em cinco partes para simbolizar as cinco pontas do pentagrama. Elas representam a terra, o ar, o fogo, a água e a espiritualidade que está contida nos dois álbuns.
Como foi reencontrar essas canções, trabalhá-las e equacionar isso num mesmo show, sendo duas propostas de álbuns tão distintas uma da outra?
Não é fácil reencontrar essas músicas. As Quatro Estações é um álbum mais fácil de lidar. Já o V retrata o que o Brasil vivia no campo político, cultural e social naquele momento. Ele conta canções como Metal Contra as Nuvens, O Mundo Anda Tão Complicado e o Teatro dos Vampiros. Algumas canções ficaram de fora, como A Montanha Mágica, que traz um peso para o espetáculo. A composição do repertório ficou muito interessante e não se percebe esse peso do V junto de As Quatro Estações. A gente se viu redescobrindo músicas como Eu era Um Lobisomem Juvenil, que nunca tínhamos tocado junto com o André [Frateschi]. Ele é fabuloso nos vocais e traz tudo isso de volta, como tem de ser, isto é, do jeito dele. Esse espetáculo foi mais bem trabalhado na questão dos ensaios, da teatralidade e da sequência do roteiro. Tem também a luz fabulosa e as projeções do iluminador Alessandro Boschini que fecham esse pentagrama.
Músicos ao lado do cantor e compositor Renato Russo (1960-1996) : ícone de uma geração
O V foi o álbum menos vendido da Legião Urbana, mas também é o mais audacioso naquele momento da carreira da banda. O que ficou deste trabalho na sua memória?
É um disco onde o Renato [Russo] está se reconstruindo. Ele reflete as internações pelas quais ele passou como dependente químico e também retrata a Era Collor na Canção Metal Contra as Nuvens e o amor perdido ou que vai ser encontrado em Vento no Litoral. Ele coloca muitas questões sobre a vida em sociedade. O V foi um disco super trabalhado no sentido de que todos nós estávamos muito focados naquele momento para trazer aquelas canções à vida. São músicas muito trabalhadas e complicadas até hoje para tocar, como Vento no Litoral, que tem uma sequência de acordes intermináveis e as mudanças de andamento de Metal Contra as Nuvens. Essa canção tem 11 minutos, nesse sentido, o V foi um álbum audacioso. O Mayrton [Bahia, produtor de cinco discos da banda] tem tapes da gente tocando na gravação desse disco. A gente ia todos os dias a tarde para esse estúdio na Barra [da Tijuca] e voltávamos para casa eu, Renato [Russo] e todo mundo junto de madrugada. A gente discutia o que tinha sido feito e acreditava muito naquele projeto. Quando o disco foi lançado, ele não chegou com uma pegada pop, como era As Quatro Estações. Muito embora eu ache que esse último também não seja um disco assim tão pop. Ele não tem tantos refrões nas canções. Na hora de gravar um disco a gente estava muito focado no que tinha que fazer.
Eu lembro de uma entrevista sua para a MTV, nos anos 1990, onde você criticava uma música que ouviu na escola do seu filho. De lá para cá, você acredita que o cenário cultural piorou no país?
Eu era um idiota completo de pensar e falar essas coisas. Eu acredito na cultura popular até hoje. Os formatos vão mudando e as pessoas passam a ter outras ideias a respeito do que é a música popular. Eu talvez estivesse um pouco antiquado neste sentido. Eu não me identifico tanto assim com o que a rapaziada anda fazendo hoje em dia no mainstream, ou seja, no que rola nas 50 músicas mais tocadas do Spotify Brasil. É cada vez mais difícil se ligar, interagir e ser influenciado por esse top five. Antigamente no top 10 da Rádio Cidade você tinha Roberto Carlos, Guilherme Arantes, Paralamas do Sucesso e Caetano Veloso. Esses caras passavam uma identidade para a gente. Eu respeito a todos, pois cada um coloca a sua vida nos seus projetos e isso faz sentido para zilhões de pessoas. Esse é o grande valor e o propósito da música popular: chegar nas pessoas e quem sabe transformar essas pessoas.
Capa do álbum V (1991): reflexões sobre o país e o amor com referências da Idade Média
O André Frateschi foi integrado a esse projeto de uma forma muito orgânica e intuitiva, sendo ele mesmo o tempo todo. Como vocês conseguem fazer essa cozinha musical funcionar tão bem?
O André frequentava o nosso camarim desde quando ele tinha 10 anos de idade. Fui reencontrá-lo 30 anos depois num projeto onde a gente cantava Beatles. É um achado fabuloso ter um interprete como ele na sua banda. Ele tem o lugar dele e o maior respeito pela obra e se emociona a cada evento. É impressionante a habilidade dele para conduzir aquele repertório todo para um público assíduo e fanático. Ele representa essas canções a cada minuto, segundo e compasso. Não foi trabalhoso porque o André entrou cantando, mas foi difícil para nós tocarmos certas músicas. A gente está feliz por tocar junto.
A Legião Urbana tinha uma forte relação com Minas Gerais, um Estado que sempre esteve presente em suas turnês. Como é tocar no coração do Brasil, como diz Caetano Veloso?
A família toda da minha mãe é de Minas Gerais. Ela nasceu em Juiz de Fora e tenho tios e tias em Belo Horizonte. A cultura mineira sempre esteve presente no trabalho do Milton Nascimento, Jota Quest e Skank. O primeiro show da Legião Urbana que o Renato [Russo] e o Bonfá [Marcelo] fizeram foi em Patos de Minas. Minas está no coração de todos já que é o coração do Brasil. É sempre maravilhoso chegar aqui. É adorável, muito bom e sempre será.