quinta-feira , 21 novembro 2024
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O feminino ou a escrita do desejo: um papo com a escritora Dalva Lobo

"Minha escrita nasce do desejo de dizer ao outro, do desejo de manifestar sentimentos e minhas percepções sobre o que aprendo da vida" afirma Dalva Lobo.

“Menstruo, sangro/ Me chamam bruxa, mulher/Vidas consagro”. Os versos da poeta e prosadora paulistana Dalva Lobo marcam seu lugar no mundo, são presença viva de sua força criadora.

Professora da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e do Programa de Pós-Graduação em Letras – (Universidade Federal de Lavras – UFLA), atuando no curso de graduação em Pedagogia e no mestrado acadêmico em Letras, ela é autora dos livros: “Catatau: dos labirintos da linguagem à criação de ambiências sonoras”; “Poesilha: dos pequenos tratados do Cotidiano” “Cartografias da memória” e “A Revolução pelo Ócio: lições poético-filosóficas para o século XXI”, em parceria com o professor Vanderlei Barbosa (UFLA), além de contos e poemas publicados em diversas antologias e plataformas.

Para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado nesta sexta-feira (8), o Curta Lavras conversou com Dalva Lobo. Uma entrevista em que ela discorre sobre sua carreira, seu processo criativo, a literatura, a condição do feminino e os desafios da leitura no mundo contemporâneo.

Dalva Lobo é acadêmica titular da Academia Lavrense de Letras (ALL) e ocupa a Cadeira de número 9, cujo Patrono é o poeta Guilherme de Almeida. A escritora também é acadêmica honorária da Academia Feminina Sul-Mineira de Letras (AFESMIL), cuja patrona é Oneyda Paoliello de Alvarenga.

A autora tem Doutorado em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (SP) e Pós-doutorado em Letras – Literatura pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Ela também é coordenadora do Setor de Cultura – vinculado à Pró-reitoria de Extensão e Cultura da Ufla e produtora, em parceria com a profa. Tania Romero (UFLA), do Vitrine Musical, Cia. De Teatro Musical.

Qual a sua relação com literatura? Como nasceu a leitora Dalva Lobo?

A minha relação com a literatura surge na infância, antes de entrar na escola, ouvindo histórias sentada aos pés de minha mãe e minha avó paterna e imitando minha irmã, que já estava no primeiro ano escolar. Me fascinavam as letrinhas do livro, do caderno de caligrafia (na época, indispensável na escola – rs). Lembro de brincar de ler e de escrever, dos desenhos que fazia das histórias. Gostava de criar personagens, cenas, e para mim, literalmente, o braço do sofá era um cavalo – rsrs.

Quando iniciei o processo de alfabetização, já tinha noção de escrita, a ponto de ter sido aceita no primeiro ano escolar antes do período letivo iniciar, pois meu aniversário é em setembro, mas a diretora, Dona Celeste Boriolli (não esqueço o nome dela!) permitiu que entrasse antes de completar a idade necessária.

A leitura sempre foi um prazer para mim; aos 9 anos de idade, lembro de ter sido visitada por um vendedor de livros (daqueles de capa dura, letras douradas, muito bem ilustrado com lindos desenhos). Na época eram caros, então minha mãe disse que não poderia comprar, mas o vendedor insistiu que ficasse com a caixa de livros (eram 5 com histórias da Rapunzel, Aladim, Branca de Neve, Cinderela e o Gato de Botas ou chapeuzinho vermelho, não me recordo bem). Não tive dúvidas, pedi p’ra minha mãe me deixar ler os livros – Li todos numa tarde! No dia seguinte, devolvemos os livros por serem de fato, bem caros, mas a experiência foi inesquecível.

Lia também os livros da escola, depois minha querida tia Maria, leitora ávida, sabendo do meu interesse, começou a me emprestar livros de Maria José Dupré, Monteiro Lobato, José Lins do Rego, Daphne Du Maurier, Alexandre Dumas (cito aqui “A Tulipa Negra”, belíssima obra e “Os Três Mosqueteiros”). Li as coleções “Vaga-Lume” e “Para gostar de ler”, criadas por Jiro Takahashi, renomado editor. Alguém muito especial que tive o prazer de ter como professor na universidade e que se tornou um amigo muito querido, com o qual estive recentemente conversando sobre literatura, leitura, formação. Enfim, um amigo muito querido. Bem, as leituras da escola sempre foram motivo de prazer para mim.

Quando havia prova de literatura, era comum fazer uma roda com meus colegas, alguns leitores como eu, outros nem tanto, para falar sobre a narrativa, e ao fazê-lo, me empolgava, gostava mesmo! Era como viver a história! De algum modo eu já contava história porque sempre pensava em uma característica do personagem para performatizar.

O prazer da leitura, que me acompanha desde sempre, como você vê, tem grande influência de minha mãe que sempre me incentivou, de professores queridos, como o Jiro, já na universidade e o Gentil; Gentil José Leme, fundador e primeiro presidente da Academia Bragantina de Letras, em Bragança Paulista-SP. O prof. Gentil me desbravou, no antigo ginásio, o universo de Machado de Assis, Clarice Lispector, José Lins do Rego e de Érico Veríssimo, com o qual tive o primeiro contato lendo “As aventuras de Tibicuera”, uma aventura fascinante que traz um pouco da história do Brasil pelo olhar do tupinambá.

Como leitora, tenho gosto bem eclético: poesia, romance, outros gêneros narrativos, ensaios. A leitora de hoje resulta dessas boas influências que tive e que ainda me estimulam a buscar entre as linhas do dito, do escrito, o não dito. Procuro nas minhas leituras “ouvir” os personagens, “ler” seu tempo, “olhar” sua alma. A leitura é uma entrega, ela atravessa meu corpo, vivo os personagens, tento sentir como eles, busco respostas, faço perguntas; enfim, essa inquietude gostosa que a literatura provoca me permite brincar com a leitura de diferentes formas.

Que obras literárias mais me marcaram e marcam como leitora?

Tem várias, mas posso citar O “Retrato de Dorian Gray”, do Oscar Wilde, “A Tulipa Negra”, de Dumas e “Menino de Engenho”, de José Lins do Rego, foram obras das quais gostei muito. “São Bernardo” e “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, também. Mais tarde, retomei Graciliano com “Memórias do Cárcere”, Machado de Assis, e Clarice Lispector, absolutamente apaixonante. O “Torto Arado”, do Itamar Vieira Junior, foi uma leitura densa, me emocionou muito e Mia Couto, sempre me toca. Os ensaios de Walter Benjamin me encantam muito por serem muito poéticos, um encontro poético-filosófico, é como defino a escrita dele. Ah!, e claro, Guimarães Rosa, cuja obra “Grande Sertão Veredas” foi minha dissertação de mestrado e o “Catatau”, do Leminski, que foi minha tese de doutoramento.

“O fato é que minha escrita é antes de tudo, a do desejo.”, afirma escritora. 

Sua obra de estreia é sobre o Catatau, de Paulo Leminski. O que a obra dele tem a oferecer hoje?

O Catatau, do Leminski, poeta marginal, foi meu objeto de pesquisa no doutorado e a partir do qual publiquei meu livro de estreia, que trata de uma escrita mais acadêmica. Trabalhar com o “Catatau” foi um desafio, pois ele propõe a ruptura com a linguagem e é justamente essa busca por uma nova forma de dizer que me atraiu e continua me atraindo muito, pra dizer a verdade. O Leminski brincava com a palavra, ele a desafiava, e desafiava seu leitor, também. Outro ponto importante é que ler “Catatau” demanda ler história do Brasil, pensar o contexto político, já que foi publicado em 1975, após 8 anos de elaboração. A narrativa traz elementos e personagens da história à época das invasões holandesas, dialoga com a filosofia com René Descartes e o “Discurso do Método”, e com outros filósofos e cientistas do século XVII. A escrita, aparentemente truncada, aliás, deliberadamente truncada, posso dizer, mescla o grego com o tupi falado pelos tupinambás, com números e fórmulas, tudo junto à língua portuguesa. É um exercício poético, linguístico, filosófico e histórico maravilhoso. A narrativa de “Catatau” é complexa, mas tem um fio condutor que ironicamente, é não ter um fio, apenas.

Tanto a prosa quanto a poesia de Leminski brincam com as palavras, invertem a lógica, a sintaxe e criam possibilidades, e sobretudo, novas perspectivas de leitura. A irreverência revela o erudito por meio da sátira à linguagem e à história. Particularmente em “Catatau”, essa irreverência discute a força da literatura de forma irônica, cínica e ao mesmo tempo, muito lúdica porque privilegia a voz, a verborragia, sem negar a escrita e é isso que o torna tão prazeroso em termos de leitura. “Catatau” provoca o leitor porque seu conteúdo exige um saber dialogar com filosofia, história, filologia, performance de voz, sonoridade, corpo, entre outras coisas. Eu diria que para Leminski o brincar era coisa séria, e a confecção de “Catatau”, publicado em 1975, mostra isso, até por conta do contexto ditatorial que culminou nesse “quiproquó” como ele dizia.

Penso que a obra do Leminski é muito atual por trazer algo muito discutido no mundo acadêmico que é uma economia na fala e na escrita devido a um certo esvaziamento cultural. Embora haja leitores muito criativos e sedentos por cultura, nem sempre o acesso a esta é facilitado. De outro lado, alguns leitores não despertaram para o verdadeiro sentido da leitura. Nesse sentido, entendo que as obras do Leminski, tanto a poesia quanto a prosa (na verdade, poucas , cito algumas aqui: “Catatau”, “Agora é que são elas” , “Metaformose” é assim mesmo que se escreve, Guerra dentro da gente (infanto-juvenil), ele é mais conhecido pelos poemas. Seja como for, sua literatura é muito estimulante, pois traz o cotidiano de forma lúdica e propõe formas de ler que de algum modo, foram silenciadas. Lembro da época em que os professores pediam aos alunos que fizessem a “leitura silenciosa”, assim como as bibliotecas eram locais de silêncio absoluto.

Então, quando se lê um poema leminskiano, um hai-kai, poema japonês muito apreciado por ele que se tornou um haikaista, por exemplo, o leitor percebe o brincar, e pode embarcar nisso. A obra de Leminski propõe a perda do medo de ler em voz alta, de utilizar o corpo todo na leitura, duas questões fundamentais para a formação leitora.

Quanto ao “Catatau”, em particular, ele desafia o leitor a buscar sua perspectiva de leitura, a conhecer um pouco da história do Brasil, da filosofia e da linguagem, mas de forma lúdica, talvez um legado de seus tempos como professor de história e de redação.

Qual sua relação com a escrita literária e como nasce seu processo criativo?

Minha escrita nasce do desejo de dizer ao outro, do desejo de manifestar sentimentos e minhas percepções sobre o que aprendo da vida. Nasce também das minhas experiências como pessoa, como mulher. Minha escrita nasce do cotidiano, sabe, das pequenas coisas que observo e que me tocam de alguma forma. Por exemplo, no Poesilha: pequenos tratados do cotidiano, escrevi sobre minha experiência em Santa Catarina, na época do pós-doutoramento. Uma ilha belíssima na qual cada detalhe convida a um encontro comigo e com o outro. Meus temas são a vida e suas nuances, a mulher na juventude e na maturidade, como em Rejuvelhecendo, o espelho que nos revela ou não. Gosto de brincar com o som das palavras, com a imagem.

Há momentos em que algo me provoca de tal forma que preciso escrever, dar vida às palavras, às coisas, como em Toalhas, uma peça do cotidiano vista sob outra ótica. Por outro lado, a beleza da gota d’agua sobre a pétala encanta a ponto de nascer um haikai, repentinamente. Em Poesilha, busco falar sobre o sentido da vida, sobre a doçura, a força, a resiliência e a contradição que habitam a alma feminina, principalmente. Sou mulher e falo da mulher e para a mulher que me entende de imediato, pois sabe as dores e prazeres deste corpo que habitamos, porém busco ir além, porque me interessa o humano, a vida, independentemente de gênero sexual. O mesmo ocorre com meus contos, nos quais trago minha percepção diante das questões da vida, do amor, da morte.

Já em Cartografias da memória, não há um fio condutor, olho para a dor e para o prazer, questões fundamentais do amor. Às vezes seleciono um conto ou um poema escrito há algum tempo e trago para o presente. Fiz um pouco desse exercício em Cartografias, sabe? É como conversar com a mulher e a escritora de tempos anteriores e a atual. O que rege isso tudo? O fato é que minha escrita é antes de tudo, a do desejo”.

Há diferença entre poesia e prosa para você? Como se dá o seu processo de criação?

Quanto ao desejo não. Quanto ao formato, sim. O processo nem sempre segue como planejado. Às vezes penso em escrever uma prosa e no final se revela poema e vice-versa. Gosto muito disso, sabe? Quando inicio meu processo de escrita de um poema, por exemplo, pensando na estrutura desse gênero, logo me vem à mente o desejo da visualidade, por isso, não me preocupa, num primeiro momento, a rima, mas o quanto se pode “ver” e se aprofundar no poema, por isso aprecio muito o haikai e o verso livre. Há momentos, por outro lado, em que sinto necessidade da rima, da sonoridade, aí fica mais desafiador, como no poema o Id de Ota, em que brinco com a sonoridade já no título. Na maior parte do tempo penso que a escrita me guia e não o contrário. Em TPM, por exemplo, iniciei a forma de poema, mas as palavras vinham de tal modo que se transformou em conto.

Quais os desafios do ato da leitura no mundo contemporâneo, hoje dominado pelas micronarrativas e a tecnologia? Há caminhos para seduzir o leitor?

Bem, como professora vejo certa dificuldade por parte dos alunos em ler qualquer tipo de texto, não apenas o literário e penso que isso seja porque estamos vivendo a sociedade da pressa, na qual o tempo é cronometrado, fragmentado em inúmeras demandas que impedem que possamos absorver mais do que um certo número de palavras.

Passamos das grandes narrativas às micro, tivemos décadas para concluir um mestrado ou um doutorado e hoje temos de 2 a 3 anos. Certamente, isso impactou na forma como se lê, se ouve, se escreve e se compreende o outro e o mundo. Se por um lado, a tecnologia favoreceu a sociedade, por outro a fragilizou. Ensinar literatura implica visitar a dimensão mais humana do aluno, auxiliá-lo para que perceba seu potencial criativo, então o desafio é constante, pois há muito contato via ws e pouco contato vis a vis, o que acaba intimidando a aproximação com a leitura, sobretudo quando oralizada.

A literatura é o movimento da intimidade, de ressignificar o real, de perscrutar os sentidos; ao mesmo tempo que ela provoca, seduz, ela quer ser questionada, desafiada e isso vem da leitura. Ao longo de minha carreira como docente busquei várias formas de ensinar literatura aos alunos e percebo uma timidez quando se trata de ler e de interpretar os textos, sobretudo o literário. Gosto de desenvolver projetos de criação de livros de contos, poemas, crônicas e procuro fazer performances de leituras. Outra forma é promover leitura às cegas de textos produzidos por eles para que possam construir um olhar crítico.

Noto uma resistência inicial por parte de alguns e uma desconfiança por parte de outros que não entendem a proposta e pensam que não há seriedade, até que começo a trabalhar teoricamente os gêneros de modo que tenham condições de criar sua narrativa ou poema e performatizá-la e aí surge outro desafio, pois ler oralmente ou em “voz alta” como se dizia na escola, e representar /dramatizar essa leitura não é uma prática que tenham experimentado muito nos anos escolares. Ao ler oralmente e ler criticamente um texto do colega, muitos percebem que a recepção por parte desse colega-autor sobre o texto é positiva e se sentem estimulados a criar e ler oralmente.

Posso dizer que tenho tido gratas surpresas. Alguns alunos me apresentam seus escritos guardados quase que a 7 chaves e me presenteiam com a sensibilidade e qualidade dos textos. Outros revelam-se leitores performáticos, cuja leitura faz rir ou emociona, dada a tônica dramática que emprestam às palavras.

Sim, é um desafio, mas também é muito prazeroso, pois cada turma ensina algo e ser professora, para mim e tão estimulante quanto desafiador porque tenho de estudar sempre, me atualizar e isso é muito bom, dá energia.

“Em “Poesilha”, busco falar sobre o sentido da vida, sobre a doçura, a força, a resiliência e a contradição que habitam a alma feminina, principalmente. Sou mulher e falo da mulher e para a mulher que me entende de imediato, pois sabe as dores e prazeres deste corpo que habitamos”, declara Dalva Lobo. 

Como você vê a literatura contemporânea brasileira?

Como disse antes, vivemos a sociedade da pressa, do fragmentado, no entanto, em meio a esse cenário também noto que estamos vivendo um momento muito frutífero na literatura contemporânea brasileira. Jovens autores discutindo temas profundos; sinto que alguns buscam se encontrar e se dizer por meio da literatura, o que é muito bom. As plataformas ajudam bastante na criação das stories que podem ser compartilhadas entre os jovens escritores.

Embora seja desafiador seduzir o leitor, acredito que a literatura contemporânea tende a contribuir muito para formar esse leitor crítico. Chama minha atenção, por exemplo, adolescentes criando suas narrativas breves e cômicas, essa pitada de humor é muito sedutora. Claro que não basta apenas ler, é preciso avançar os degraus para literaturas mais robustas, porém, valorizar os primeiros passos desses jovens escritores com concursos literários, por exemplo, é uma estratégia para estimular a escrita e a leitura.

Um ponto alto na literatura contemporânea é a escrita de autoria feminina, se consolidando cada vez mais. Noto um relevante olhar sobre a sociedade, sobre a dimensão do feminino ultrapassando a infrutífera guerra dos sexos que apenas gera mercado, mas não necessariamente discussões aprofundadas sobre a compreensão do feminino. Temas que tratam dos silenciamento dos pretos, dos povos indígenas, que tocam nas feridas sociais no âmbito econômico, cultural e social, e mais recentemente, uma literatura preocupada em descortinar o que significa envelhecer como processo de vida e não como algo a ser evitado como doença, vem conquistando leitores e leitoras de várias faixas etárias, etnia, credos, condição social e econômica. Creio que é isso o que realmente importa para que a sociedade se torne, de fato, letrada.

A mulher tem conquistado espaços em vários âmbitos, e na literatura, felizmente, isso também ocorre, inclusive com a geração mais nova. Atualmente, jovens e adolescentes nas escolas tem participado de projetos sociais escrevendo e falando sobre a relevância de seu papel na sociedade, lutando contra o feminicídio, o racismo e todo tipo de violência contra a mulher, a exemplo do projeto “Bem me quero- empoderamento feminino” -prevenção à violência de gênero, destinado a alunas e alunos do ensino básico, lançado em março de 2023 e promovido pela Prefeitura Municipal de Campinas-SP. Um projeto que conta com Margarida Montejano, educadora e supervisora educacional, como uma das organizadoras, e cuja proposta é alcançar 45 escolas públicas do Ensino Fundamental em Campinas.

Não é novidade que temos escritoras de peso no cenário literário brasileiro, as quais retrataram as questões prementes de sua época, como Pagu, que nos anos vinte já se posicionava diante dos problemas sociais e do papel da mulher, Cecília Meireles, cuja poesia revelou nuances da alma feminina, Rachel de Queiróz, que antes dos 20 anos discutiu a seca no Nordeste, fazendo crítica a sociedade da época. Lygia Fagundes Telles, Isabel Allende, Alice Ruiz, Conceição Evaristo, Margarida Montejano e Marta Cortezão, entre outras que nos inspiram, e, quando vemos projetos que discutem questões afetas à mulher e seu relevante seu papel na sociedade sendo discutido nas escolas, tenho a certeza de que a literatura e a leitura são transformadoras.

Como é ser acadêmica titular da ALL?

Ah, é motivo de muita alegria e prazer. Sinto-me orgulhosa por integrar a Academia Lavrense de Letras. Quando recebi o convite da acadêmica Terezinha de Lourdes Rezende, fiquei emocionada e muito feliz em assumir tal responsabilidade, pois ser uma acadêmica é exercer um papel social importante junto à comunidade lavrense e à sociedade, promovendo a cultura em diferentes espaços, visto que um dos papéis da arcádia é estreitar laços com a comunidade e com outras academias, de modo a promover a literatura e a cultura. Quero registrar o caloroso acolhimento que tive por parte de todos os acadêmicos da ALL, e reiterar meu apreço em me tornar uma cidadã de Lavras, na qual resido há dez anos. Ser uma acadêmica da ALL foi um dos momentos mais gratificantes que tive pessoalmente e como escritora. Como acadêmica titular, ocupando a cadeira de n. 9, cujo patrono é o poeta paulista Guilherme de Almeida, e agora, como vice-presidente (biênio 2024-2025), quero continuar a primar pelo zelo com que os acadêmicos da ALL conduzem suas ações.

Recentemente, passei a integrar também a Academia Feminina Sul-Mineira de Letras (AFESMIL), em Poços de Caldas-MG, a convite da acadêmica Dalila Lasmar. Como acadêmica honorária, represento a poeta varginhense Oneyda Paoliello de Alvarenga. Ser membra dessa Academia também me orgulha muito, e reitera meu desejo de contribuir evidenciando o papel da mulher na literatura e cultura brasileira.

O que o Dia Internacional da Mulher simboliza para você?

Nesse mês dedicado à mulher, especialmente no dia 08 de março, instituído como Dia Internacional da Mulher, quero agradecer a cada mulher que muito antes de mim, empreendeu uma luta por conquistas que nos trouxeram a este século. Reverencio minha ancestralidade feminina, reverencio a voz de cada mulher que em seu tempo buscou caminhos contra o silenciamento e a violência. Sigamos lutando contra toda forma de opressão, sigamos respeitando a vida que nos foi concedida, o útero que nos tornou fortes, ainda que vilipendiado por séculos. Quero dedicar a vocês, mulheres, dois poemas em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, publicados em 2022, na Coletânea I tomo das Bruxas; do ventre à vida, organizada pelas poetas Marta Cortezão e Patrícia Cacau. Que esse dia se estenda pelos demais 364 dias do ano e que nos fortaleçamos em nossa humanidade contra toda forma de barbárie.

Livro resultante da tese de doutorado da docente é baseado na obra “Catatau”, do escritor curitibano Paulo Lemiminski (1944-1989) 

Aproveito para agradecer ao Curta Lavras pelo generoso convite manifestando meu prazer de ser entrevistada pelo querido Marcos Bissoli e para deixar meus contatos para que quiser adquirir exemplares dos meus livros: @dalva.lobo – Instagram / dalva.lobo (Facebook).

(HAIKAI)

Sangrando

Menstruo, sangro
Me chamam bruxa, mulher
Vidas consagro

(POEMA EM PROSA-VERSO LIVRE)

Não sou boa nem má; Sou bruxa.
Não sou boa, nem má,
Ganhei útero e seios.
Para uns, foi magia, para outros, feitiçaria.
Então, fizeram de mim uma bruxa.
A igreja me deu poderes que eu não tinha,
e em nome de, sabe-se lá que deus, me sangraram, me queimaram.

Mil vezes maldita, habitei, a convite ou à força, muitas alcovas da sacrossanta Igreja.
Ao final, fui banida do convívio das castas e das alcovas.
Tiraram crias de mim.
Pari bastardos em nome de Deus e dos fornicadores.
E como paga à pagã, queimaram o útero que a muitos serviu.

Séculos depois, minhas filhas singraram mares
para encontrar em outras plagas, outros falsos filhos de Deus, agora sem sotainas.
Mas essas mulheres, com a mesma coragem de quem alhures navegaram,
aos falsos filhos de Deus enfrentaram.
Seus seios e útero, antes confiscados, usurpados e vilipendiados, foram retomados
com a sábia força daquela que com seu sangue pode gerar vidas, se assim o quiser.

Desde então, minhas filhas e as filhas delas se pertencem
Não são boas, nem más
São mulheres,
São bruxas.

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