Por detrás dos olhos da lavrense Azená Oliveira, 81 anos, mora uma menina que respira música. Sentada numa cadeira de rodas debaixo de uma árvore frondosa, essa mulher não se cansa de ter esperança. A vida, essa sereia rouca, continua a seduzi-la.
É essa senhora bem humorada, sagaz e carinhosa que encontramos no jardim da Casa do Vovô, instituição que acolhe idosos, no bairro Fonte Verde. Por uma questão preventiva contra o coronavírus, a conversa do Curta Lavras com a cantora, compositora, professora e pianista se deu com o uso de máscara.
Ela nasceu na residência de número 208, na rua Santana, quando a mesma ainda sedia lugar para o bonde passar. Azená Oliveira foi desde sempre uma criança prodígio. Com apenas cinco anos de idade, apreendeu a tocar piano com dona Josefina Aranha de Castro, no Instituto Presbiteriano Gammom. Desde então não parou mais de criar e construir a sua própria história.
Foi desde sempre uma mulher a frente de seu tempo. Filha do casal Iracy Oliveira e Amélia Mattioli Oliveira, a pianista foi casada por seis anos, mas a união não deu certo. Namorou outros dois pretendentes. Os relacionamentos, no entanto, não vingaram. Ela também estudou Psicologia e Teologia, mas nunca quis ser pastora. A deusa-música foi sempre a sua tábua de salvação.
“Eu não nasci para casar. Sou casada com a música. Ela me fez muito mais feliz que o casamento. Ela me deu tudo. Eu componho, eu toco, eu canto em diversas línguas”, dispara.
A vida não tem dado mole para a pianista, que está prestes a completar 82 anos no próximo dia 22 de dezembro. Por conta de dois acidentes domésticos teve os fêmures de ambas as pernas fraturados, tendo hoje que fazer uso da cadeira de rodas para se locomover.
Mas não há ranço na sua fala, mas coragem de encarar os novos desafios da vida com leveza. A prima de Azená Oliveira, Denise Mattioli, hoje é sua tutora. “Ela é meu anjo da guarda”. A também lavrense foi ex-jogadora da Seleção Brasileira de Vôlei, tendo conquistado vários títulos na carreira.
Hino
Pianista que reside na casa do Vovô começou a tocar piano aos 5 anos de idade.
Azená Oliveira figurou entre os músicos mais conhecidos que tocaram nas noites da cidade nas décadas de 70 e 80. A compositora batia ponto no Bar Vila, perto de sua casa, nos finais de semana. Sempre ao piano, ela guardava na manga um repertório de música popular de primeira qualidade. Artista completa, ela tocava de tudo.
A pianista também representou Lavras em dois programas de televisão bastante populares na época, o Cidade contra Cidade, na extinta TV Tupi, e Mineiros Frente a Frente, na TV Itacolomy. Foi também professora de piano durante décadas.
A compositora foi amiga e parceira de Paulo Oliveira Alves, o Paulinho Piano, com quem dividiu apresentações e tocou em casamentos. Ela perdeu a conta em quantos casamentos tocou ao longo da carreira. “Outro dia uma mulher esteve aqui. Ela se lembrou de que eu havia tocado no casamento dela há 30 anos”, recorda.
Azená Oliveira contou detalhes da criação do Hino de Lavras, composto por ela em 1980, e que foi oficializado pela Câmara Municipal através da lei número 1.276. A compositora recorda que se inspirou no ritmo de uma marcha-rancho de autoria de Osório Alves, então regente da Banda do Oitavo Batalhão de Polícia Militar.
“Na época, o Paulinho Piano me disse: se você não fizer o hino, eu te mato. Lembro que o compus numa tarde com cara de chuva. É uma emoção ver as pessoas cantarem o hino. Outro dia chorei vendo crianças cantarem ele. É muito bom saber que a gente fez alguma coisa de útil”, confessa.
Quando deixou a Vila Vicentina, na Vila Murad, há sete anos, para residir na Casa do Vovô, Azená Oliveira ganhou um piano de uma admiradora. O instrumento permanece na sala de convivência da instituição, sendo usado pela pianista.
Além do costume de brincar com jogos no celular, a pianista também se diverte muito com sua gata, Ninica, outra de suas paixões. A menina que respira música resiste.
“Eu aprendi muita coisa com a vida. Eu olho para o meu passado e tenho orgulho dele. Eu amo demais Lavras. Amo cada ser presente nessa cidade hoje, os que passaram e os que virão”, finaliza.