Um homem feito de histórias: a trajetória do escritor Vanderlei Barbosa
Escritor, filósofo, professor da Universidade Federal de Lavras e membro da Academia Lavrense de Letras fala sobre carreira.
Por: Marco Bissoli
Vanderlei Barbosa tem uma vida marcada por memórias e sentimentos que transbordam, como um rio caudaloso, através das palavras. Ele é autor dos livros “No tempo certo” (poesia) e “Apanhador de histórias: essas coisas que acontecem” (contos). As obras foram lançadas em 2020 pela Editora Siano.
Doutor na área de Filosofia, História e Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), ele é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências Humanas, Educação e Letras da Universidade Federal de Lavras (UFLA) e coordenador e pesquisador do Grupo de Pesquisa Movimento, Sabedoria, Ideias e Comunhão (Mosaico).
É também autor dos livros “Da Ética da Libertação à Ética do Cuidado” (Editora Porto de Ideias, 2009) e “A Revolução pelo Ócio: lições poético-filosóficas para o século XXI” (Editora Pedro e João, 2020) e membro da Academia Lavrense de Letras (ALL).
Nascido na zona rural de Inconfidentes, pequeno município do Sul de Minas, Vanderlei Barbosa teve uma infância marcada pela fantasia e a imaginação despertadas pelas histórias contadas por sua avó. Ingressou na escola aos sete anos de idade, sendo convidado pela professora para declamar o poema “Ora (direis) ouvir estrelas”, de Olavo Bilac, na solenidade do feriado de 7 de Setembro – Dia da Independência.
Ele aceitou o convite porque ganharia um sorvete de groselha caso conseguisse cumprir a tarefa. Diante de uma plateia atenta, onde figuravam várias autoridades, o menino, vestido com a melhor roupa e descalço, fez bonito. O público emocionado o aplaudiu de pé. Com o sorvete entre os lábios, ele pode saborear a vitória na Sorveteria de João Muroni.
Mas foi Cecílio Amaro, um dos poucos homens de letras em Inconfidentes, quem lhe abriu as portas para o mundo da literatura ao presenteá-lo com um livro do poeta português Fernando Pessoa. O menino também devorava a cartilha escolar “Caminho Suave” e o “Almanaque Sadol”, além dos velhos jornais vindos do açougue do seu Américo Bonamichi. Mais tarde ele buscaria novos horizontes através dos livros de Gabriel Garcia Marques, Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade e Manoel de Barros, Machado de Assis, Clarice Lispector, Julio Cortazar, entre outros escritores.
O autor ao lado da escritora Conceição Evaristo.
Todas essas vivências interioranas alimentaram a chama criadora de Vanderlei Barbosa. Muitos de seus personagens nasceram da matéria ordinária do cotidiano para brilharem extraordinariamente nas páginas de seu livro “Apanhador de histórias: essas coisas que acontecem.”
“Estes personagens têm segredos, vivem dilemas. E estes segredos, estes dilemas, constituem-se na matéria-prima da literatura. E a função da literatura é, através da beleza dos textos, revelar a verdade que está oculta em cada pessoa”, relata.
O reencontro com as palavras
O ritmo de vida e os compromissos com a universidade nunca afastaram Vanderlei Barbosa do amor pela literatura. Ele narra que nessa época as suas poesias ficaram um pouco esquecidas, mas que foram registradas em cadernos que acabaram perdidos nas cidades onde ele morou.
O escritor durante encontro com a ministra do Superior Tribunal Federal, Carmem Lúcia, no Festival Literário de Araxá (MG).
“Um dia eu estava em casa e comecei lembrar dos meus cadernos de poemas. Onde estariam meus poemas? Nesse momento de saudade, eu escrevi ‘Poemas perdidos’. Na sequência, vieram os outros poemas que compõem meu livro ‘No Tempo Certo’”, diz.
Durante a pandemia da Covid-19, sem possibilidade de lançar seus dois livros, o escritor teve um encontro marcante com seus pais. Eles foram os primeiros a receber os exemplares das obras.
Participação do escritor no evento Tandil, na Argentina.
“Meu pai que era analfabeto, tinha 85 anos, pegou os livros, folheou-os e quando viu minha foto na contracapa sorriu. Foi quando ele abriu os lábios e disse: ‘É difícil chegar a essas alturas’. Minha mãe completou: ‘Meu filho agora é escritor de verdade!’. Misticamente os livros estavam lançados com as bênçãos dos meus pais”, relembra.
Para o escritor, essa foi uma experiência que valeu mais que qualquer noite de autógrafo. Logo depois, no dia 15 de setembro de 2020, mês da Primavera, ele foi eleito para compor o quadro da Academia Lavrense de Letras (ALL). Ocupou a cadeira de número oito, cujo patrono é Catulo da Paixão Cearense, o poeta do sertão.
Testemunhos
Vanderlei Barbosa afirma que a vocação de ser escritor lhe trouxe inúmeras alegrias, alegrias essas que alimentam sua paixão pelas palavras. Ele cita dois exemplos emblemáticos que testemunham que ele está no caminho certo.
O primeiro é de Dona Adelina, senhora de 94 anos, leitora voraz, que costuma ler e reler os livros que gosta. Com a dedicação de uma analista, não só os lê, como costuma grifá-los. “Eu leio até assimilar bem e absorver tudo o que o livro pode me ensinar”, afirma.
Foi nessa toada que descobriu a riqueza dos poemas do livro “No tempo certo” de Vanderlei Barbosa. Ela ficou impressionada pelos versos livres do autor, sem a métrica de antigamente, mas carregados de musicalidade, sensibilidade e beleza.
“Eu vi que cada palavra não precisa ter uma rima para ter emoção, poesia e ensinamento. Constatei que a poesia moderna tem muito a nos ensinar. Todo poema invoca a divindade, o que nos faz pensar e meditar quão grande é o universo e a sabedoria de Deus. O Vanderlei é uma pessoa muito instruída. Ele me honra com seus livros e sua amizade”, confessa dona Adelina.
Participação do escritor no Festival Literário de Tiradentes.
Do outro ponto de vista geracional, o testemunho chega da sobrinha do autor, Laura, de apenas sete anos de idade, que se encantou com a declamação do tio durante uma festa familiar no Natal. Foi diante de uma pergunta da menina, nessa ocasião, que o autor se viu emocionado. “Sabia que eu também gosto de livros?”, indagou Laura do alto da sua sensibilidade.
Tempos depois, na escola, a sobrinha, ao ser indagada pela professora se conhecia algum escritor, disse, sem pestanejar: “Meu tio Vanderlei Barbosa é escritor”. Isso caiu como uma bomba de alegria no coração do tio orgulhoso.
Vanderlei Barbosa destaca a importância do trabalho da Academia Lavrense de Letras (ALL), que recentemente promoveu a segunda edição de sua Feira Literária com uma importante programação. Além de discutir, promover e refletir sobre a literatura, o evento, segundo ele, ajudou a instituição a dialogar com a sociedade. “É importante que a academia esteja conectada com o real”, avalia.
Vanderlei Barbosa durante encontro com o escritor Itamar Viera Junior.
O autor continua sua jornada de forma intensa, pois sabe que precisa transformar em palavras os seus sentimentos e ideias. Por isso, trabalha com três novos projetos para um futuro próximo: um livro de poesias, outro de contos e um romance. Uma atividade profícua, solitária e vivida com intensidade e amor pelo narrador.
“Eu sou um mensageiro da minha aldeia. A única certeza que tenho é que nós somos feitos de histórias. Gratidão a você, Marco Bissoli, e a equipe do Curta Lavras, que é um espaço potente para a cultura e a arte literária. É um prazer estrear esse espaço literário. Muito obrigado”, finaliza Vanderlei Barbosa.
Serviço:
Autor: Vanderlei Barbosa
Instagram: @vanderleibarbosaescritor
Contato: (35) 99768-9937